segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A improvável história de Benedito Rafael





















A vontade de nascer de Benedito Rafael foi tornada pública dois dias antes do natal. A futura mãe lia e comentava títulos de revistas cor de rosa com duas amigas que também liam e comentavam títulos de revistas cor de rosa. Havia um bule de porcelana branca em forma de elefante, havia chávenas vermelhas, quadradas, havia migalhas e vestígios de manteiga derretida em guardanapos de papel.
Numa mesa à esquerda, estava para ali remitido o pai, o futuro avô, encostado à janela, sozinho. A ditadura do tamanho das páginas do jornal Expresso não permitia companhia à mesa. O anúncio do nascimento de Benedito Rafael foi um objectivo a longo prazo. A futura mãe não tinha namorado, nem pensava em casar. Não tinha nada disso, só tinha um nome: Benedito Rafael. Aquele filho era uma certeza absoluta para um dia mais tarde, foi assim comunicado aos mais próximos, avô incluído, enquanto os títulos das revistas cor de rosa apareciam e desapareciam do tampo da mesa das raparigas de treze anos. O barulho da moagem do café esteve sempre por baixo deste acontecimento.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Calculadora das vezes em que




















Uma vez foi ao tomar um café, por baixo das escadas rolantes do parque nascente. Mas já me aconteceu à porta de um hotel em Birmingham. É inevitável acontecer dentro de lojas de roupa, especialmente dentro de lojas de roupa de mulher. Num táxi, um vez foi num táxi. Num Macdonlad´s em Dublin, às duas da manhã, numa única ocasião sem exemplo. Num restaurante japonês, ao almoço, na rua Old Arbat, em Moscovo. Numa loja de livros em Gaia e num alfarrabista do Porto. No café encostado ao balneário do Clube de Futebol Serzedo. No carro de reportagem a caminho dos estádio do Dragão. No centro comercial do estádio de Alvalade. E julgo que também no aquecimento das equipas no estádio da luz. Houve um dia na esplanada de um café na praia da Aguda, ao passar de bicicleta. Ao pedalar no passeio dos prédios azuis em Miramar. Parado no carro à espera que o comboio passe. No comboio alfa a caminho de Lisboa. No comboio intercidades no regresso ao porto. No aeroporto de Marraquexe. Na casa de banho do Francisco Sá Carneiro.  Entre a sopa e a carne do almoço. Antes do whisky do jantar. Abrigado. Ao ar livre. De manhã,  à tarde e à noite. A coisa começa com um piano a tocar sozinho e prossegue com a Adele a dizer someone like you e a voz dela. Em toda a parte.

O aeroporto (3)




















Dois dois, nove quatro três, dois quatro zero zero. Aeroporto do Porto, a sua chamada está em espera. Porto airport, your call is on old... e o mesmo  aviso em francês e em italiano.
Bom dia, é por causa do cancelamento dos voos para Genebra e Zurique. - Vou passar ao balcão da TAP. Obrigado. Bom dia, os voos para Genebra e Zurque foram cancelados porquê? - Não foram cancelados. Foram transformados num único voo, com escala em Zurique e destino Genebra. Obrigado. Bom dia.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Há 136 dias (uma breve nota antiga perdida no bloco)









O norte é uma cara com rugas. Uma barba espessa. Olhos de pescador no mar agitado. É uma palavra de pedra. 
Norte é um par de lágrimas nos ossos do rosto.  Um precipício. 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Amarelo não





















Entrar em Matosinhos em baixa rotação, antes das nove horas da manhã, numa viagem que vem da Maia, como quem traz o sol para mais perto do mar. Num carro de simpatia, oferecido por um dia, em troca de uma revisão na marca. O exterior, cinzento mate, merecia algo mais do que o amarelo limão das costuras dos bancos em pele e do tabliê. Mas fica muito bem na fofografia.