segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Gonçalo para quem não foi





















Numa sala do primeiro andar do palacete dos Viscondes de Balsemão todas as cadeiras estão ocupadas e todas as cadeiras são insuficientes. Há pessoas em pé encostadas às paredes, junto à porta lateral e junto à porta do fundo, no corredor e na antecâmara da sala, que estava ali para vender livros e que acabou por ali estar para vender livros e ter gente a olhar para, e ouvir , o, escritor. O escritor entrou.
O escritor e o leitores estão ali para enfrentar as palavras sem o esconderijo do papel. Começa o escritor. Estaria mais confortável se as cadeiras estivessem todas vazias. Sentia-se mais escritor antes de começar a ser editado. Esteve dez anos sem ter sido editado por vontade própria. Para ele editar é quase criar ruído na escrita. Distrai do acto principal. Ele diz que escrever mais rápido faz a escrita sair melhor. E diz que editou tarde porque precisou de por tempo entre ele e a obra. " só não me atiro de uma ponte porque penso no que vem depois do livro".

Só escreve um livro de cada vez: "não passo para outro animal sem matar o que tenho em mãos". O estado de inconsciência pega-lhe nas palavras: "se sei o que vou escrever, não escrevo". Já sabe como vai acontecer e o saber o que vai acontecer é uma coisa que já está acabada e que não precisa de ser escrita.

Acrescenta: "estou agora a escrever uma coisa que ainda não sei o que vai ser". Acrescenta: "escrever é estar perdido numa cidade e começar a reconhecer os sítios".

Recusou e recusa, sempre e sempre, ofertas maravilhosas para escrever em sossego. Recusou e recusa. Precisa da cidade. Das pessoas. Para escrever.

Disse que o livro é uma máquina de isolamento. Única. Uma igreja portátil. Silêncio.

Tem o tempo para a escrita escalado. Escreve de manhã e não aceita fazer mais nada de manhã. Defendo o tempo para a escrita com violência, se for caso disso. Como uma metralhadora até.

Lê as Cartas a Lucílio, de Séneca. Lê A Dança da Morte, de Gesualdo Bufalino.
Assina-me quatro livros dele.
Gonçalo M.Tavares. Nasceu em Luanda em 1970. Não é africano. É todo português. Filho de militar. Escritor.

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